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domingo, 18 de julho de 2010

O Pior dos Mundos

O PIOR DOS MUNDOS – primeiras e últimas impressões

Era assim. Existia um lugar onde havia pessoas infelizes, outras quase infelizes, possíveis atrizes sem palco, sem roteiro, personagens aflitas em busca de um horizonte, vagavam no mangue do poder público, difuso, indiferente, politicamente insalubre. Sim, não nego, nesse pior dos mundos havia gente que sorria, aos poucos confesso fui dispensando o sorriso, pois na troca voltava um sorriso quase padronizado pelos sorridentes era um sorriso desdenhoso, no olhar que do sorriso havia um brilho - sinistro.
Pobre do sorridente legítimo corria risco de amargar estigma, era notado pela diferença e isso não era bom. Para alguns ainda não contaminados, este era um consolo, um alívio, era bom cruzar um sorridente, que fatalmente com o passar dos anos também mudaria o tom de seu sorriso.
Juro que falo sem exagero, no começo eu não entendia e sorria, achava que quem me retribuía o sorriso simpatizava comigo, não notava o escárnio furibundo e tolamente na primeira oportunidade que tinha eu manifestava vontade de estabelecer amizade. Lembro que alguma alma boa me avisou para não me mostrar expansiva, mas não ouvi, isso não me parecia possível, não entendia o que significavam esses conselhos velados. O dilema da simpatia me acompanhou por vinte e quatro anos.
No ambiente pesado de trabalho, estranhava o silêncio que às vezes era bruscamente interrompido por gargalhadas histéricas entre os superiores, quando entre si se comunicavam com trejeitos imitativos e insinuações maldosas , muito críticas numa linguagem cheia de códigos. Mas uma coisa eu sabia, não eram amigos, riam às gargalhadas a custa dos outros e das situações que permanentemente criticavam. Tudo era alvo de crítica contumaz e não permitiam a menor possibilidade de inclusão em grupo.
Entre os colegas fui a estrangeira recebida com má vontade e o tratamento que me dispensavam era cheio de rancor, eu simbolizava uma categoria descolada da burguesia a qual não pertencia, mas minha boa aparência e a condição de indicação política que me colocou nesse pior dos mundos geravam hostilidade.
A partir daí passei a desenvolver um comportamento defensivo de eficiência e firmeza assumido de forma definitiva ao longo das décadas, sem deixar de encarar com atenção, intencionalmente deixei de ver muita coisa para continuar sempre disposta a um ânimo alegre, cordial e franco, sem transparecer a constatação de que era esse o pior dos mundos, não necessariamente povoado pelas piores pessoas, mas havia neste mundo tanta amargura que era difícil reconhecer alguém que conseguisse adaptação sem mudar no mínimo sua fisionomia, assim sendo o clima desagradável não era uma abstração, era visível.
Mas posso afirmar que o que sempre me causou mais repugnância, a despeito dos políticos e seus séquitos correligionários, era a tristeza de ver meus iguais, ou quase iguais, do corpo técnico, sorrir aquele sorriso de escárnio e maldizer.
Lá imperava um controle viscoso que florescia nos que usavam as maledicências com seus iguais, ou quase iguais, como meio de obter vantagens pessoais. E os mesmos indivíduos que se digladiariam num dia, já no outro podiam estar aliados, numa fração de horas, porque assim repercute o movimento da política dos primeiros escalões- ela se reproduz nas bases. E quando chega nesse nível , o das categorias subalternas muitos se movimentam desorganizada e individualmente para se acomodar às situações políticas que se refletem difusamente às mil interpretações sobre a gestão e então não há princípios que se sustentem , há uma permissividade generalizada. O pior dos mundos não tem dono, seus representantes são vulneráveis e o corpo técnico mais ainda se fragmentava buscando entre si coordenadas de superação. O poder da sujeição é o salário, que avulta valor exacerbado, tornando os empregados detentos facultativos.
Um detalhe marcante se funda num acordo silente e indestrutível de impedir a expansão à potencialidade, a menos que esta sirva circunstancialmente a algum momento da gestão, com autoria negada após a serventia, amaldiçoando aquele que abrilhantou uma gestão colaborando com suas idéias, a retaliação na que se segue.
E como fica o ser que passa anos suportando a sorte, quieto, acomodado, pode um dia por ventura de súbito sem um motivo lógico ter um gesto de loucura, ou se põe a beber usar drogas, desejando na alienação a recuperação de sua identidade humilhada.
Ah, os sorrisos cinicamente amargos, os ares arrogantes, os displicentes, tantos outros que desfilam os corredores imersos em seus pensamentos sombrios, a intencionalidade de um comentário ferino, um esgar do rictus facial, em contrapartida aos sobreviventes de temperamento alegre tratados com notório desprezo ou tachados de malucos, perigosos.
No pior dos mundos desconfiava-se da sinceridade, supunham-na sempre a favor de algum interesse.A desconfiança explicitada era uma característica mais confiável. Pensando bem, quem arrisca a espontaneidade no pior dos mundos, não merecia participar dos conluios, ou melhor a princípio não tinha essa capacidade, porém não era impossível desenvolver esse tipo de habilidade e da experiência que tive, ficou-me amarga lembrança.
Quem tinha a língua afiada e sabia mostrar os dentes se protegia, impunha distância e era mantido quase intocável, outros por sua vez eram bem fechados , crescidos no pior dos mundos sabiam se dar ao respeito e não trabalhavam porque ninguém exigia deles nada para evitar muita aproximação e evitar contrariedade, pois nesse universo político partidário quem garante ser este indivíduo observador em seu silêncio um informante deles.”Eles” são o governo, e “nós” não existe.
Houve período em que existiu enfrentamento político e isso positivou a consolidação de benefícios para os funcionários, é verdade, quando a oposição era ativa,mas em compensação, o basismo provocou injustiças.E a grande maioria, a população do pior dos mundos era de pessoas indiferentes por precaução e costume.Tendo aturado tantas gestões de sucessivos governos, já não acreditavam mais em nada e essa resistência os fortalecia junto as bases. Não esperei para ver o dia da gestão de governo da oposição se estabelecer mas não acredito que venha a dissipar esse ranço impregnado no espírito coletivo do ambiente.

Um comentário:

  1. adélia prado quando quer dar boas vindas convida para um café, pão de queijo, mesa da copa, relógio de parede, o tempo não para, a gente senta, se olha, se vê, troca uma frase e descobre que aquilo que a gente queria dizer mesmo não cabe ali na cozinha, fica descabido mesmo em qualquer lugar, mas no blog fica direitinho, que bom que arrumou um canto privado que o mundo pode ver...quem diz que é exibicionismo é porque não sabe escrever, amei

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